quinta-feira, 1 de junho de 2017

RESENHA DO LIVRO VIGIAR E PUNIR FOUCAULT




O livro se inicia pela narrativa da tortura como especifiquei na descrição, o suplício e esquartejamento de um parricida, em 1757. Pois bem, isso é o suficiente que eu inicie minha resenha. A tortura de Damiens, o assassino: o modo como ela foi feita, a agressividade nela contida, o espírito de sua época, a animalidade, o mundo dicotômico em que se inseria – tudo isso serviu de substrato para a tese apresentada ao longo do livro, essa tortura, com o tempo (isto é, ao longo dos séculos XIX e XX), vira outra coisa, se muda para outro lugar. Não só passa do corpo para a “alma” (as aspas são minhas, e não de Foucault): a tortura deixa também de ser prerrogativa de quem detém um poder político que se sustenta fortemente na moral religiosa, no crivo religioso, para passar a ser prerrogativa do poder legal, do poder educacional, do poder psiquiátrico, do poder presente no trabalho etc. Em outras palavras, passa a ser tortura disseminada, difusa.

A tortura em seu aspecto difuso, a sua disseminação pelos mais diversos setores de nossa vida cotidiana, está de uma maneira que nem percebemos. Tomamos de exemplo a Ditadura militar que foi a tortura que mais tomamos conhecimento aqui no Brasil recentemente. Mais analisando mais precisamente o momento atual, na sociedade ocidental contemporânea, existe um certo prazer em ser torturado, uma vontade de não ter liberdade, de deixar os carrascos terem o controle, seja do Antigo Regime, seja da Revolução, até mesmo no condomínio, no trabalho nas ruas, entre outros lugares. O ocidente se diz livre, mais nunca foi liberto, ainda hoje está preso.

Vemos no século seguinte ao suplício, o regulamento da Casa dos Jovens Detentos de Paris, na qual a única tortura parece ser a chatice: tantos minutos para se vestir, outros tantos para descansar, horários rígidos de trabalho e de refeições. A pergunta que Foucault tenta responder no livro de 1975 é: por quê? O que levou o sistema jurídico do Ocidente (em especial o da França, caso estudado detidamente na obra) a deixar de lado a tortura e a execução públicas e preferir as prisões, supostamente visando a “corrigir” os criminosos? Isso também buscarei analisar no meu trabalho.

E a resposta que vem logo em seguida Vigiar e Punir dá a essa pergunta é complexa, mas podemos dizer que ela depende de todas as principais transformações da sociedade francesa entre os séculos 17 e 19. Nesse período, muita coisa mudou. O poder absoluto dos reis acabou dando lugar a uma república “moderna”, assim como ocorreu em outros lugares do planeta, os quais, aliás, seguiram o exemplo francês. Mas, paradoxalmente, o poder do governo para controlar a vida dos cidadãos não necessariamente ficou menor, apenas mudou de forma, argumenta o filósofo – e o “nascimento da prisão”, como diz o subtítulo original da obra, é parte importante dessa metamorfose.

Hoje a realidade nos presídios não é muito diferente, assim como na sociedade, vemos que o poder influencia dentro das prisões e determina quem manda e quem será mandado, além de determinar melhores estadias dentro da reclusão, será que pode ser chamada de reclusão para aqueles que tem poder e dinheiro? “Vigiar e Punir aborda o problema da institucionalização do poder de forma muito nova, o que deixou marcas profundas nas pesquisas históricas e sociológicas que se seguiram a ele (Pretendo fazer um paradoxo entre o poder e violência de Hannah Arendt). Podemos perceber que para Foucault, a punição dos criminosos se transforma, em grande parte, porque o jeito de exercer o poder também mudou. Nos séculos em que a execução pública e precedida por suplícios era a regra, pode-se dizer que o destino dado aos criminosos era a manifestação física da vingança do rei sobre seus súditos.

Vale ressaltar quando Foucault fala da disciplina, apesar de estar presente nas instituições, não pode se identificar com ela, pois é um tipo de poder e modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, técnicas, procedimentos, níveis de aplicação. Está a cargo de todas as instituições, desde as penitenciárias, passando por hospitais, escolas e até relações familiares, entre pais e filhos.

Foucault dedica a última parte da obra para focar no sistema prisional, ele a ver como instituição completa e austera, onde as técnicas corretivas e disciplinares fazem parte da armadura institucional da detenção legal, porém, estas técnicas corretivas e disciplinares não fazem parte apenas do sistema prisional, elas estão presentes na sociedade moderna, estão presentes na constituição da igualdade, o que faz com que seja difícil de ser questionada, pois para nós é aparentemente natural e ainda achamos que é a única maneira de nos organizarmos como sociedade. Mas ela não serve ao homem de fato, mas sim ao rendimento e à eficácia.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Ed.Petrópolis: Vozes, 1991.

Um comentário:

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