O livro se
inicia pela narrativa da tortura como especifiquei na descrição, o suplício e
esquartejamento de um parricida, em 1757. Pois bem, isso é o suficiente que eu
inicie minha resenha. A tortura de Damiens, o assassino: o modo como ela foi
feita, a agressividade nela contida, o espírito de sua época, a animalidade, o
mundo dicotômico em que se inseria – tudo isso serviu de substrato para a tese
apresentada ao longo do livro, essa tortura, com o tempo (isto é, ao longo dos
séculos XIX e XX), vira outra coisa, se muda para outro lugar. Não só passa do
corpo para a “alma” (as aspas são minhas, e não de Foucault): a tortura deixa
também de ser prerrogativa de quem detém um poder político que se sustenta
fortemente na moral religiosa, no crivo religioso, para passar a ser
prerrogativa do poder legal, do poder educacional, do poder psiquiátrico, do
poder presente no trabalho etc. Em outras palavras, passa a ser tortura
disseminada, difusa.
A tortura em seu aspecto difuso, a sua disseminação
pelos mais diversos setores de nossa vida cotidiana, está de uma maneira que
nem percebemos. Tomamos de exemplo a Ditadura militar que foi a tortura que
mais tomamos conhecimento aqui no Brasil recentemente. Mais analisando mais
precisamente o momento atual, na sociedade ocidental contemporânea, existe um
certo prazer em ser torturado, uma vontade de não ter liberdade, de deixar os
carrascos terem o controle, seja do Antigo Regime, seja da Revolução, até mesmo
no condomínio, no trabalho nas ruas, entre outros lugares. O ocidente se diz
livre, mais nunca foi liberto, ainda hoje está preso.
Vemos no século seguinte ao suplício, o regulamento da
Casa dos Jovens Detentos de Paris, na qual a única tortura parece ser a
chatice: tantos minutos para se vestir, outros tantos para descansar, horários
rígidos de trabalho e de refeições. A pergunta que Foucault tenta responder no
livro de 1975 é: por quê? O que levou o sistema jurídico do Ocidente (em
especial o da França, caso estudado detidamente na obra) a deixar de lado a
tortura e a execução públicas e preferir as prisões, supostamente visando a
“corrigir” os criminosos? Isso também buscarei analisar no meu trabalho.
E a resposta que vem logo em seguida Vigiar e Punir dá a essa pergunta é
complexa, mas podemos dizer que ela depende de todas as principais
transformações da sociedade francesa entre os séculos 17 e 19. Nesse período,
muita coisa mudou. O poder absoluto dos reis acabou dando lugar a uma república
“moderna”, assim como ocorreu em outros lugares do planeta, os quais, aliás,
seguiram o exemplo francês. Mas, paradoxalmente, o poder do governo para
controlar a vida dos cidadãos não necessariamente ficou menor, apenas mudou de
forma, argumenta o filósofo – e o “nascimento da prisão”, como diz o subtítulo
original da obra, é parte importante dessa metamorfose.
Hoje a realidade nos presídios não é muito diferente, assim como na
sociedade, vemos que o poder influencia dentro das prisões e determina quem
manda e quem será mandado, além de determinar melhores estadias dentro da
reclusão, será que pode ser chamada de reclusão para aqueles que tem poder e
dinheiro? “Vigiar e
Punir aborda o problema da institucionalização do poder de forma muito nova, o
que deixou marcas profundas nas pesquisas históricas e sociológicas que se
seguiram a ele (Pretendo fazer um paradoxo entre
o poder e violência de Hannah Arendt). Podemos perceber que para
Foucault, a punição dos criminosos se transforma, em grande parte, porque o
jeito de exercer o poder também mudou. Nos séculos em que a execução pública e
precedida por suplícios era a regra, pode-se dizer que o destino dado aos
criminosos era a manifestação física da vingança do rei sobre seus súditos.
Vale ressaltar quando Foucault fala da disciplina, apesar de estar
presente nas instituições, não pode se identificar com ela, pois é um tipo de
poder e modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de
instrumentos, técnicas, procedimentos, níveis de aplicação. Está a cargo de
todas as instituições, desde as penitenciárias, passando por hospitais, escolas
e até relações familiares, entre pais e filhos.
Foucault dedica a última parte da obra para focar no sistema prisional,
ele a ver como instituição completa e austera, onde as técnicas corretivas e
disciplinares fazem parte da armadura institucional da detenção legal, porém,
estas técnicas corretivas e disciplinares não fazem parte apenas do sistema
prisional, elas estão presentes na sociedade moderna, estão presentes na
constituição da igualdade, o que faz com que seja difícil de ser questionada,
pois para nós é aparentemente natural e ainda achamos que é a única maneira de
nos organizarmos como sociedade. Mas ela não serve ao homem de fato, mas sim ao
rendimento e à eficácia.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Ed.Petrópolis: Vozes, 1991.
muito eu recomendo
ResponderExcluir